Namoro e galanteio : mostra-me e diz-me como me ama ? (século XIX e começo século XX)
Mostra me e diz-me como me ama ?Naqueles tempos, nos idos do século XIX, o namoro e o galanteio eram atos ritualizados. Em As Farpas (tomo VI) Ramalho Ortigão afirma : « o que é namoro ? […] Este acto consiste em atrair e fixar num passeio, num teatro, numa igreja, o olhar de uma menina honesta ; de a seguir até a casa, como se segue uma cocotte, a ela, que vai ao lado de sua mãe, no meio de seus irmãos mais novos ou pelo braço do seu pai ; de lhe dirigir no outro dia uma declaração de amor por intermédio de um jornal complacente ou de um criado brejeiro, de lhe pedir uma resposta, uma entrevista, um sinal de que lhe não é indiferente ».
Claramente, o olhar deste intelectual português segue as etapas do namoro dans les règles de l’art. Nos meios urbanos e burgueses portugueses dos finais do século XIX e começo do século XX, o namoro era regido por uma série de códigos sociais que pareciam intransponíveis e que se incumbiam de levar os seus protagonistas até o casamento. Também, participavam ao ajustamento social pois levavam ao cumprimento de uma série de etapas exigindo dos seus atores o conhecimento da sua forma e da sua expressão. Os amantes mostravam-se peritos na ritualização do namoro pois aprendiam o que deviam « fazer » e « dizer » : fazer a corte, escrever cartas, marcar encontros oficiais, noivar, pedir em casamento. Ademais, também fixavam-se os espaços do namoro : a igreja, o teatro, a opera, os passeios e os bailes. Ao abrir a porta de casa os personagens entravam num palco formado por espaços públicos nos quais se permitia a entrada da « moça de boa família » sempre acompanhada. Ali, os familiares apresentavam-se como os guardiões da moralidade da « menina honesta ». A mãe, o irmão, o pai e as tias atuavam no encontro e nos desencontros que pontuavam e ritmavam o caminho até o desenlace matrimonial assegurando-se da moral conjugal.
No entanto, o autor português descreve o namoro, mas não revela as veredas que levam ao galanteio. Em O Livro dos namorados, pequeno opúsculo no qual se encontram exemplos de cartas de amor e uma série de recomendações aos namorados, Regina Tavares sua autora orienta as leitoras - « O seu namoro, formosa leitora, tem de seguir a ordem geral : capítulo dos olhares, dos sorrisos enigmáticos, dos bilhetinhos recebidos a occulta, com o auxilio de uma linha, ou entregues pelo moço das compras ; dos gargarejos...altas horas da noite, até às entrevistas em casa na presença da mamã, ou de pessoa idosa da família ». Esta comunicação entre os amantes que provoca o desejo expressa nesta introdução era, no século XIX e começo do século XX, formada por uma série de códigos e linguagens secretas que emergem de várias tradições. Eram publicados em pequenos opúsculos onde se encontravam modelos de carta de amor para todas as ocasiões. Estes manuais também chamados de Mensageiros do amor, Secretários ou Conselheiros dos amantes procuravam instruir os códigos do namoro mas também da comunicação secreta. Era útil aos amantes que não queriam ser vistos e ouvidos pela famíla ou outra pessoa qualquer.
Fazem parte destes códigos a linguagem das flores e das plantas, por exemplo, na qual cada flor e planta corresponde a uma emoção ou a um sentimento. Esta tradição teria nascido no Oriente e tem se transmistido de geração em geração sob a forma de listas alfabéticas que podiam mudar de publicação em publicação. Sabe-se que eram impressas em almanaques ou edições populares. Esta tradição consiste em expressar o seu amor através de uma sábia combinação de simbologias florais chinesas, japonesas, gregas, romanas e turcas. A linguagem das flores teria entrado na Europa no século XVIII (1718) e popularizou-se durante o século XIX. Certamente desta tradição nasceram a linguagem das cores, linguagem das luvas, bengala confidente, a telegrafia de namorados por meio de lenços, lenços falantes, o modo de marcar horas para entrevistas...Também existem outros meios de se corresponder secretamente : os Sinaes telegraphicos para os que namoram e que não querem ser vistos nem conhecidos (quando os amantes eram vizinhos e as janelas se encontravam em frente uma da outra) e o Alphabeto dos namorados. Este alfabeto é a linguagem dos surdos e mudos já conhecida antes do século XVI quando Pedro Ponce de Léon (monge benedictino espanhol) decidiu fundar a primeira escola para surdos.
Deste modo, os amantes se correspondiam quando lhes faltava intimidade e neste jogo do amor suscitavam o desejo criando uma boa medida entre aproximação e distanciamento.
Enfim, os manuais de cartas de amor publicados entre o século XIX e o começo do século XX mostram perfeitamente o duplo discurso que fundamenta o namoro e o galanteio neste período. Neste jogo das aparências, os códigos oficiais ajustavam os valores e as condições sociais enquanto que o jogo divertido das linguagens e dos códigos secretos expressavam a transgressão na arte de amar.
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